Grandes Batalhas, Suas Variáveis e Analogia ao Gerenciamento de Projetos e Suas Estratégias

Imagine você em um campo de batalha com as seguintes configurações: a uma distância próxima de cinco quilômetros está o seu inimigo, com metade do que você possui em termos de poderio militar, entre cavalaria, infantaria e seus canhões. Eles possuem reforços, porém tais reforços vinham pelo lado leste quando foram interceptados por você e sua tropa, e, por conta disso, bateram em retirada pelo flanco direito; aparentemente, estão fugindo. Seu inimigo continua estático num pequeno vilarejo à encosta de um morro de dimensões medianas e um campo bem aberto logo a frente, aliás, o campo que o separa de você e onde provavelmente travarão a inevitável batalha. Não há outra alternativa. Aliás, quanto aos reforços que bateram em retirada, o principal líder da tropa da qual você faz parte resolve enviar 1/3 do contingente para segui-los, a fim de garantir que estejam realmente fugindo. Aparentemente, decisão inteligente. Passaremos por rápidos detalhes desta batalha, para, em seguida, traçarmos um elo com determinadas práticas de gerenciamento de projetos. Ah, sim. E sobre qual batalha estamos nos referindo? O dia: 18 de junho de 1815. A tropa inimiga: os ingleses, comandados pelo experiente duque de Wellington e os seus aliados prussianos, liderados pelo marechal Blücher. A tropa da qual você faz parte: os franceses. Seu líder: Napoleão Bonaparte. O local: Waterloo.

Os dois homens de confiança de Napoleão nesta batalha eram: o marechal Michel Ney, à frente do ataque direto ao vilarejo onde se encontravam os ingleses sob liderança de Wellington, e o general Grouchy, responsável pelo 1/3 do contingente justamente destacado para seguir os prussianos de Blücher. Ney e Grouchy eram muito experientes, com ótimos currículos. Não eram os melhores homens com quem Napoleão pôde contar ao longo de sua trajetória militar e de governo, pois os seus melhores, a essa altura, já haviam sido mortos em batalhas anteriores, ou, por conta de julgamentos, com sentença de morte pela corte francesa. De qualquer forma, tudo indicava a vitória de Napoleão. Mas, o que deu errado?

Conforme ordens de Napoleão, Grouchy e sua tropa seguiu os prussianos de Blücher para certificar-se que estavam realmente fugindo. Blücher, por sua vez, realizou manobra básica em situações como esta: destacou 10% do seu contingente para continuar em retirada, espalhando-o de tal forma a dar impressão de se tratar de toda a sua tropa. Os 90% restantes viraram 90º (noventa graus) em direção ao vilarejo onde os ingleses se encontravam, para reforçar o time. Ridiculamente, Grouchy demorou muito tempo para perceber esta situação.

Wellington, ao constatar que os prussianos já estavam para somar aos ingleses, deu ordens para que atacassem os franceses pelo mesmo flanco, assim que Napoleão e sua tropa começassem o ataque ao vilarejo.

Do outro lado, as tropas francesas avançavam sob liderança de Ney. Ao iniciar o ataque, um primeiro problema surgiu: Ney não soube equilibrar sua força entre o uso da cavalaria e o uso da infantaria; seu histórico positivo tinha muito mais a ver com infantaria, e, mais uma vez, os franceses falharam em premissas básicas: uma boa infantaria não é nada, sem uma boa liderança de cavalaria, e vice-versa. Perdeu um número muito importante de soldados franceses em decorrência disso. Ainda assim, Ney, contando com soldados franceses muito motivados, conseguiu afugentar os ingleses, que começaram a recuar. Neste momento, as tropas prussianas ainda não haviam iniciado o ataque planejado pelos flancos contra os franceses.

Um primeiro aparente problema às tropas inglesas: ao recuarem, esqueceram dos seus canhões, deixando-os para trás, nas mãos dos franceses, aliás muito hábeis com o armamento em questão. Mas, daí, sem explicação lógica alguma – talvez, pela comoção que tomava os franceses, em decorrência da liderança carismática de Napoleão – passaram direto pelos canhões que estavam ali, largados, tão disponíveis. Não os usaram ao seu favor, nem os inutilizaram (neste segundo caso, houve mais um erro banal dos franceses: não havia, entre os soldados, ninguém com martelos e pregos para fecharem os ouvidos dos canhões; por isso, não foram inutilizados). Pois bem: Os franceses continuaram a correr atrás dos ingleses que até então, recuavam, em situação de inferioridade. Wellington, ao perceber que os seus canhões continuavam ali, à disposição, manobrou parte da tropa por corredores humanos que se formavam em meio à batalha e retomou a posse de suas peças pesadas de artilharia.

Imagine a situação neste momento: os franceses, antes dominando a situação, agora se viam cercados pelos ingleses. Ah, sim: E Grouchy? A esta altura, já estava voltando para ajudar o restante da tropa francesa, porém bem atrasado, não? E, no caso, os prussianos liderados por Blücher já haviam iniciado o ataque lateral à tropa francesa, e, com tudo isso, ingleses e prussianos acabaram por colocar um ponto final no currículo de Napoleão Bonaparte.

Que coisa, não? Um marechal que não sabe sincronizar ataques de infantaria, com cavalaria; um general que cai no engano de perseguir 10% de batalhão, acreditando estar perseguindo 100% do contingente; uma tropa que, além de esquecer seu material de batalha (martelos e pregos para inutilizar canhões apreendidos), ainda perde a chance de tomar posse da principal força de artilharia inimiga; um comandante (Napoleão), a essa altura, com dificuldades de manter uma boa comunicação com a sua tropa…e sabe por que eu falo isso? Porque Napoleão assistiu tudo isso de um ponto geograficamente privilegiado, deu ordens para tentar reverter as decisões erradas dos seus homens de confiança, mas, toda vez que interviu, mandou mensagens subjetivas demais, acabando por gerar mais dúvidas à sua equipe. Ao final, o que esperar desta soma de variáveis tão negativas, não é mesmo?

Mas vamos aos principais pontos que interessam sob o nosso enfoque de Gestão de Projetos:

Os problemas:

  • Napoleão não contava mais com as suas principais lideranças.
  • Os ingleses e prussianos estavam melhor preparados contra o até então diferencial tático das perfeitas combinações de ataque de infantaria, cavalaria e artilharia de canhões franceses.
  • A comunicação entre Napoleão e os seus líderes, principalmente com Grouchy, foi muito negligenciada, conduzida sem a devida atenção (parece comum este cenário, ao comparáramos ao que ocorre em muitas empresas, não?).
  • Quem está fixado numa única posição tende a ficar em desvantagem, como ocorreria inicialmente com a tropa inglesa de Wellington. Porém, algumas vezes, permanecer no mesmo ponto pode quebrar essa tendência de desvantagem, desde que se domine muito bem o ambiente, como viria a ocorrer com Wellington no vilarejo de Quatre Bas, no morro em sua retaguarda (morro St. Jean) e no campo de batalha de Waterloo. Neste sentido, Wellington pôde avaliar com calma a evolução da situação e tomar boa decisão, no momento adequado.
  • As tropas de Blücher inverteram inteligentemente a tática de Napoleão, atacando o flanco direito deste último.
  • Novamente, sobre comunicação: as ordens não chegavam a tempo aos pelotões, ou, quando chegavam, vinham sob escritas muito apressadas, que não transmitiam clareza.

Questões Clássicas Negligenciadas por Napoleão Bonaparte:

  • Equipe e Lideranças qualificadas.
  • Estruturação de equipe e responsabilidades, de tal forma que seja possível a descentralização de decisão a partir da oportunidade de se explorar informações privilegiadas no front-office (linha de frente).
  • Plano de comunicação que todos conheçam e que tenham condições de seguir.
  • Contar com diferenciais competitivos que realmente sejam “diferenciais”.
  • Planejar e obter todos os recursos de que realmente necessita (lembra da situação dos canhões, que deixaram de ser inutilizados, devido ao esquecimento dos martelos e pregos?).
  • Ter profissionais não apenas de planejamento e de execução, mas também pessoas de controle, que possam monitorar as fases de evolução da batalha (do projeto), reportar rapidamente seus indicadores àqueles que possuem condições de tomar decisão e reverter cenários de risco.

Há alguns ensinamentos que são mais gerais no mundo das grandes batalhas e que valem a pena ser recuperados em referência à Gestão de Projetos. São eles:

  • Delinear muito bem os riscos ao projeto e as ações de contingência que poderão ser tomadas, para cada risco que porventura se concretizar. Neste ponto, podemos fazer analogia aos problemas climáticos que muitos líderes épicos – inclusive Napoleão – tiveram que lidar em suas batalhas e que, ao final, foram parte da causa de seus fracassos. Podemos citar não apenas os problemas climáticos, como também os cenários geográficos que beneficiam uns, em prejuízo de outros, a exemplo da famosa batalha entre gregos e persas, nas muralhas de Termópilas, em 480 a.C., quando os gregos, em número significativamente inferior, bloquearam por vários dias a invasão persa, por contarem com o pequeno corredor formado pelas muralhas e que limitava os persas atacaram com sua força total.
  • Outro ponto importante: Desenvolver e manter Métodos e Disciplina (Organização e Processos), ou seja, a lógica dos processos pela qual se deve planejar, agir, mobilizar, aprimorar e manter em bom estado e prontidão dos recursos e da logística de forma organizada e eficiente, sob baixos custos e desgastes. Trata-se de uma orientação, por exemplo, do mestre Sun-Tzu, muito bem explicada na ótima obra literária A Arte da Guerra.
  • Há uma definição antiga sobre a arte de se planejar uma batalha: o momento mais importante do desenrolar de uma batalha é quando todas as ações, aparentemente isoladas e desconexas, se encontram em momento e local exatos, conforme o planejado, coincidindo – não por acaso, mas como causa – com as maiores massas de integrantes das tropas em pleno ataque. Quem um dia teve a oportunidade de planejar com efetividade um grande projeto sabe do que estou falando. Ainda na fase de projeto, é perfeitamente possível enxergar como que os ganhos parciais e resultado final do projeto ocorrerão, desde que você e sua equipe consiga delinear com propriedade tudo o que for necessário (recursos e respectivas ações integradoras) para o sucesso do projeto. Daí, quando os ganhos surgem, é quase que um déjà vu.
  • Saber utilizar os recursos ideais para o momento, não necessariamente os melhores recursos que um gerente possa ter. É o que ocorre nos esportes coletivos, por exemplo. Muitas e muitas vezes, as sequências de pontos surgem pela combinação dos jogadores que se traduz no conjunto ideal de competências e não na combinação dos melhores jogadores. É como aquele momento em que o técnico tira de campo seu melhor jogador, colocar o reserva e este último acaba por decidir a partida. Isto também ocorrer nos projetos executivos: não precisamos dos melhores recursos, mas dos recursos ideais para cada situação.
  • Uma boa abordagem em relação ao uso do ciclo PDCA: Geralmente as metas são pensadas pelos “Generais”. Mesmo que isto ocorra, não deverá ser entendida como algo imutável; ao contrário, deverá ser constantemente reavaliada e revisada na medida em que os parâmetros – influenciados pelos meios, ambiente e/ou adversários – mudam. E quando falo em reavaliação e revisão, falo sob âmbito participativo e não-centralizado. E, a fim de verificar a qualidade da própria Estratégia, é de boa prática aplicar periodicamente o conceito de ciclo PDCA – planejar, executar, revisar e atualizar o planejamento –, ajudando a avaliar a compatibilidade das estratégias aos múltiplos objetivos que estejam traçados.
  • Em relação à Gestão do Tempo, novamente cito Sun Tzu: “… deixe que seu grande objetivo seja a vitória e não campanhas extensas”. Também por pragmatismo e por questões de eficiência, “o bom combatente deve ser terrível no seu ataque e rápido na sua decisão”.

Muitos perguntam os motivos que nos levam a fazer analogias ao ambiente militar, quando falamos em gestão. Ora: em grande parte da história da humanidade, foram nas batalhas que o homem até recentemente veio desenvolvendo sua inteligência operacional, tática e estratégica, e não apenas isso, descobrindo novos mercados e aprendendo mais e mais sobre a psique humana. Não…não sou um adepto das guerras, mas como administrador preciso me dedicar ao estudo dos cenários corriqueiros (do cotidiano) e também dos cenários que levaram a sociedade ao seu estremo, justamente onde o homem foi mais exigido. Assim, aprendemos não apenas a evoluir naquilo que é a nossa batalha atual – entre empresas, novos negócios e novas profissões –, mas mitigarmos o risco de cometermos os mesmos erros do passado, sob os quais incluo as guerras e as mortes que patrocinamos na longa jornada da civilização no formato que conhecemos.

Em nossos projetos, que o termo “guerra” seja utilizado apenas como referência às habituais “salas de guerra” em nossos ambientes empresariais.

Por admin