Categoria: Gestão de Processos de Negócio e de Desempenhos

Como Planejar o Lançamento de um Produto ou Serviço em Meio à Possibilidade de Canibalização

Imagine a seguinte situação: você já possui um bom produto e resolve lançar um novo produto, bem atrativo ao mercado. Rapidamente, o mercado responde de forma bem positiva, com elevado consumo. Daí, então, você percebe que este segundo produto começa a canibalizar o primeiro e seus processos operacionais começam a se ocupar muito mais com o produto novo, do que com o produto antigo. Tendo sido ou não essa a intenção – o de incentivar um novo produto, em detrimento de um produto antigo –, o fato é que, no decorrer dos meses, você começa a perceber que os seus custos estão se elevando de maneira anormal, porque os seus processos estavam mais adaptados ao produto antigo, do que ao produto novo. Você, executivo, já passou por este cenário? Soube resolvê-lo? Acha-o complicado? Vejamos então um cenário bem mais difícil com o qual eu e outros amigos de carreira passamos e resolvemos há aproximadamente dez anos: todas as vendas da empresa eram feitas sob contrato firmado com os clientes. Ao percebermos que o novo produto vinha canibalizando outros produtos da empresa, nossa vontade imediata era retirar este novo produto de cena. O problema é que, devido aos contratos obviamente com validade jurídica, precisaríamos do aval dos clientes para voltarmos a ofertar a eles qualquer outro produto do nosso portfólio, a exceção daquele prejudicial ao negócio. Se eles optassem por permanecer com o novo produto, não teríamos muito o que fazer que não gerasse desconforto no relacionamento comercial. E agora, você saberia o que fazer? E um detalhe: não estou falando de alguns poucos clientes, mas, conforme o fato realmente ocorrido, de aproximadamente 15 mil clientes. Desafio interessante, não? Este é um estudo de caso que costumo utilizar em treinamentos voltados à Gestão de Processos, Gestão de Riscos e também em Estratégias Comerciais.

Antes de eu enumerar algumas das soluções adotadas, vamos a alguns conceitos importantes:

Canibalização em Marketing: refere-se ao lançamento de um novo produto pela empresa, afetando o desempenho de um ou mais produtos dessa mesma empresa.

Ao lermos o conceito desta maneira, somos levados a pensar que a canibalização é sempre destrutiva. Isso, no entanto, não é verdade. Muitas vezes, as empresas utilizam a canibalização de forma positiva, a fim de motivar a retirada sutil de algum produto do seu portfólio, com ações atrativas do mercado consumidor para o novo produto, em detrimento do produto antigo.

Primeiro destaque importante: tendo em vista o fato de a canibalização ter relação com a introdução de um novo produto ou a simples elevação de desempenho de um produto já existente em relação a outro da mesma empresa, a concorrência pode sofrer impactos negativos, mas que nada tem a ver com o conceito de canibalização em si, e sim com o fato de um determinado produto estar apresentando crescimento em termos de consumo pelo mercado.

Segundo destaque importante: Canibalização pode existir tanto para produto, quanto para serviço.

Em suma, caso a canibalização venha ocorrer, isso significa que dois ou mais produtos da mesma empresa estão disputando o mesmo público, oferecendo benefícios e características semelhantes.

A canibalização, então, pode ser algo previamente planejado – ou seja, incentivado – pela própria empresa, certo? É claro que sim. Isto é comum em diferentes mercados, principalmente os mercados altamente competitivos, com lançamento de novos produtos e serviços a todo o momento, como, por exemplo, do mercado de automóveis. Alguns motivos que vão além da concorrência acirrada com lançamento constante de novos modelos:

  • O mercado consumidor é desejoso de novos modelos; já se acostumou a isso e tem como tendência perder interesse rápido pelo produto, exigindo renovação constante.
  • Os próprios fabricantes e demais entidades que fazem parte da Cadeia de Valor do Mercado induzem à troca dos automóveis, através da depreciação rápida do automóvel em termos de valor de venda, da elevação dos seus custos de manutenção, etc.
  • Evolução tecnológica (fator muito relevante), mudanças de legislação que acabam por exigir novas condições técnicas aos automóveis (fator pouco relevante, mas existente).

Vejamos como uma canibalização aparentemente destrutiva é, na verdade, uma canibalização construtiva ao negócio, ainda em relação ao mercado de automóveis:

Em 2009, a Honda lançou o Honda City, que, no Brasil, chegou a vender aproximadamente 3.200 unidades ao mês em tal ano, atingindo parte das oportunidades de venda do Honda Civic. Este último havia atingido no ano anterior a média mensal de 5.500 unidades, e, em 2009, apenas 3.700 unidades mensais; um cenário aparentemente ruim, frente ao fato de a Toyota ter conseguido elevar as vendas mensais do Corolla para 5.500 unidades. Mas vejamos de uma outra forma: se a Honda não tivesse lançado o Honda Civic, provavelmente não teria atingido a média mensal de 6.900 unidades vendidas (soma entre o City e o Civic) se tivesse mantido apenas o Civic frente ao combate à concorrência. Aliás, pelos estudos feitos pela equipe de Marketing e Estatística da Honda, possivelmente o Corolla teria vendido mais do que as 5.500 unidades mensais, versus estabilização das vendas do Civic; por este motivo, a canibalização entre City e Civic se tornou bem justificável.

Uma boa frase: É melhor perder no próprio quintal, do que perder para a concorrência.

Olha que bacana: existe uma forma de medir a canibalização, para nos ajudar no planejamento do portfólio de produtos. Vejamos:

É chamada de “taxa de canibalização” a perda que vier a ocorrer em um ou mais produtos do portfólio da empresa por conta da introdução de um novo produto. Para que um novo produto seja visto como um “produto bem-sucedido sob cenário de canibalização”, é necessário que o seu desempenho comercial ultrapasse essa taxa.

Terceiro destaque importante neste artigo: A canibalização só fará sentido para uma empresa se a execução dessa canibalização não gerar perda de Competitividade e Market Share (parcela que a empresa já estiver dominando do mercado consumidor).

Vejamos instruções simples para se calcular a taxa de canibalização:

  1. Primeiramente, a empresa precisa ter em mãos um bom trabalho estatístico de previsão dos resultados físico-financeiros dos seus produtos, com visão de curto, médio e de longo prazo. Sugere-se aplicar método de análise de resultados comerciais por séries temporais, algo que, infelizmente, tem sido feito de forma muito ruim pelos falsos especialistas em planejamento e controle. Para se fazer boa análise baseada em séries temporais, é imprescindível estabelecer os índices corretos de sazonalidade, tendência, comportamentos cíclicos e fatores irregulares. Para piorar o cenário em nosso mercado, muitas empresas sequer sabem conceituar estes termos (para maiores informações, consulte artigos específicos em nosso site: www.danielmendonca.com.br).
  2. Estabelecer quais produtos estão apresentando probabilidades de queda de vendas, elevação de custos e/ou margens de lucro. Planejar, então, quais seriam os seus produtos substitutos os quais a empresa tem condições de lançar, ressaltando que, antes de a empresa dar este passo, precisa refletir sobre todas as ações que podem ser executadas para reverter o cenário negativo futuro, recuperando os desempenhos comerciais de determinados produtos em foco. E importante: toda ação precisa ser bem documentada quando executada e não pode camuflar o desempenho de outras ações, pois, ao contrário, a empresa terá dificuldades de futuramente interpretar a influência de fatores intrínsecos e extrínsecos as suas vendas históricas.
  3. Partindo dos mesmos fatores extrínsecos e intrínsecos conhecidos e das estimativas de custos de produção, a empresa deverá projetar os resultados do novo produto, atentando-se para o fato que o seu desempenho poderá não atingir somente aqueles produtos em queda, mas também outros produtos que estejam equilibrados em seu portfólio. A subtração entre a projeção de resultado deste novo produto e os impactos previstos em todos os demais produtos da empresa será sua taxa de previsão da canibalização. De imediato, essa taxa dará a empresa a visão de viabilidade ou não em prosseguir com a ação. E claro: essa taxa de previsão será variável, de acordo com a evolução dos meses pós-implantação do novo produto (ou serviço).
  4. Daí, chega-se ao lançamento do produto e seus primeiros meses de vida. A medição do seu desempenho será comparada à taxa de previsão da canibalização. Suas discrepâncias em relação ao previsto deverão motivar discussões para se identificar tudo que esteja influenciando em tal diferença. Esta última poderá ter relação com cenários não planejados, ou mesmo com possível erro metodológico na previsão estatística ou de entendimento quanto à própria capacidade do negócio. Mas o ponto mais ruim que pega os empresários de surpresa refere-se às dificuldades de operação em meio aos processos e procedimentos de trabalho. Motivo principal: a maioria das empresas ainda não sabe gerenciar sob visão de processos (sequenciais, interdependentes, simplificados, mensuráveis, etc.), mas sim sob visão funcional (pelas funções de cada departamento).
  5. A medida que evolução da taxa de canibalização vai sendo atualizada, a empresa vai tendo melhor noção quanto a real viabilidade do novo produto.

Daí, neste ponto, vale o quarto importante destaque neste artigo: toda vez que a empresa idealizar o lançamento de um novo produto, precisará aplicar reflexões que normalmente aprendemos em Gestão de Riscos, mais especificamente sobre o que fazer, caso a ação dê errado e como voltarmos ao cenário anterior, se for melhor para o negócio. Simplesmente, é o refletir sobre tudo que poderá dar errado no lançamento do novo produto, elaborando os planos de contingência sobre cada efeito negativo, e, principalmente, constatando se cada plano de contingência terá condições de ser executado pela empresa, caso venha a ser exigido. Cada efeito negativo precisará ser associado a um nível de gravidade estabelecido pela empresa, para que esta última enxergue de maneira mais clara que cenários são mais impactantes e quais os cenários menos impactantes, de tal forma poder priorizar melhor suas preocupações.

Mas, então…vamos falar daquele cenário real que citei no início do artigo:

Na época, eu trabalhava para o mercado de telecomunicações, em uma das grandes operadoras do país, com excelente desempenho operacional-financeiro e excelente clima e dinâmica de trabalho entre os departamentos. Uma excelente experiência que tive. Pois bem:

A equipe de Marketing havia idealizado um plano de serviço a ser lançado numa Unidade Federativa específica e que, pelas suas configurações, geraria forte adesão da clientela e manteria o equilíbrio econômico-financeiro entre nossos Custos e Receitas. Para se ter uma ideia geral, o cálculo e análise de viabilidade de um plano de serviço parte do princípio do equilíbrio entre: o valor da mensalidade do plano, a tarifa por minuto ou por utilização de serviços, o quanto será ofertado de franquia de uso e a estimativa média de uso dos clientes (dica: adicionalmente, explore o conceito de Customer supply; escreverei sobre o assunto posteriormente). Principalmente: a análise pondera também a migração de clientes de outros planos para o novo plano, para projetarem o equilíbrio financeiro adequado à empresa. Na avaliação de todos, incluindo os mais diversos departamentos técnicos da empresa – incluindo o departamento no qual eu trabalhava –, aparentemente parecia tudo em ordem com o novo plano. Sendo assim, o mesmo foi lançado no mercado.

Nas primeiras semanas de comercialização, tudo parecia de acordo com o planejado. Realmente muitos clientes aderiram ao novo plano, tanto clientes novos, quanto clientes antigos que migraram de outros planos para este novo plano de serviço (olha aí a canibalização).

Primeiros sinais de problema: um profissional do nosso setor foi o primeiro a alertar que alguma coisa estava errada. Os primeiros ciclos de faturamento executados no primeiro mês deste plano começaram a mostrar queda de Receita para esta Unidade Federativa. Havia dúvidas se a queda de Receita era em decorrência da forte migração de clientes de outros planos de serviço para o novo plano, já que a empresa ainda não havia fechado um mês completo de operação com esse novo plano, e, principalmente, porque o mês em questão, escolhido para lançamento do produto, não era o mês mais adequado, por sofrer forte influência de sazonalidade.

Quinto destaque importante deste artigo: independentemente de ser ou não um plano de canibalização, estamos tratando do planejamento quanto ao lançamento de um novo produto ou serviço. Devemos escolher muito bem o momento para realizar tal lançamento, sob o risco de não conseguirmos interpretar corretamente o desempenho inicial do que estivermos ofertando como novidade ao mercado.

Continuando…

Aquele profissional, Analista de Receita de Faturamento, colocou o seu material sob os braços e correu entre os vários departamentos, alarmando sobre o problema. Eu lembro muito bem disso. Poucos deram ouvidos a ele, imaginando que o primeiro mês do novo plano era ruim para se ter correta ideia do seu desempenho. Por fim, ficou por isso mesmo…e daí que chegamos ao segundo mês em operação do novo plano, com incrível queda de mais de 20% da Receita de Faturamento da Unidade Federativa envolvida e cerca de 15 mil clientes cadastrados no novo plano. Alguma coisa definitivamente precisava ser feita.

A principal barreira: A empresa não poderia simplesmente migrar esses clientes para outros planos – por exemplo, para os seus antigos planos de serviço – sem que houvesse consentimento por parte deles, principalmente por uma questão legal (de legislação). Imagine a dificuldade em negociar com um cliente que sabe estar usufruindo de um plano altamente benéfico a ele.

As soluções, em etapas:

  • A primeira ação realizada foi a de impedir novos clientes neste plano; isto a empresa poderia fazer. Imediatamente, então, interagiu com a agência reguladora – no caso, a ANATEL –, munida de todas as análises que demonstravam a inviabilidade de a empresa permanecer com este plano em comercialização, com risco de em médio e longo prazo impactar a qualidade dos serviços à população daquela Unidade Federativa. Com o aval imediato da ANATEL, a empresa procedeu com a suspensão do comércio do plano em pauta, mas, por enquanto, sendo obrigada a manter aqueles 15 mil clientes já associados, salvo se a empresa conseguisse autorização desses últimos para realização da mudança.
  • Uma brecha obtida em meio às revisões que estavam sendo conduzidas: pelo fato de este plano propiciar muita economia aos clientes – sendo caracterizado como um “plano subsidiado pela empresa em prol do cliente” –, a empresa poderia desconsiderá-lo de todas as campanhas promocionais (por exemplo, das campanhas do Dia das Mães, Dia dos Namorados, Natal, etc.) e das vendas subsidiadas de aparelhos celulares. Não havia em contrato qualquer cláusula que obrigasse a empresa a garantir participação dos clientes em campanhas e subsídios de aparelhos, e, portanto, a ausência dessa cláusula, somada à peculiaridade do plano, propiciou a empresa a fechar este acordo com a agência reguladora. Este cenário seria, então, uma boa ferramenta de negociação para migração dos clientes para os demais planos da empresa.
  • O passo seguinte foi o de contatar todos os 15 mil clientes, explicando a eles de maneira clara e honesta o erro cometido pela empresa ao ofertar este novo plano de serviço. Ao mesmo tempo que iam se conscientizando do problema, a empresa ia procedendo com negociações específicas. No caso, esses clientes foram divididos em grupos específicos, para sofrerem tratativas diferenciadas. Por exemplo: havia cerca de 30% desses clientes utilizando aparelhos celulares de valor baixo de mercado (chamados de “gama baixa”); para esses clientes, a empresa ofereceu aparelhos de valores maiores e com outras funções tecnológicas mais atuais, ao mesmo tempo que informava quanto à possibilidade de eles poderem participar de campanhas promocionais futuras, caso aceitassem a alteração. Este foi um cenário específico tratado. Aproximadamente 20% dos clientes ainda permaneceu no plano, por dois ou três motivos específicos e pessoais. E, quanto a esses clientes remanescentes, a empresa precisou aguardar própria decisão deles, ao longo dos meses seguintes. Num intervalo de treze meses, salvo engano, já não havia mais cliente algum associado ao plano em questão (era o esperado, frente à ausência de benefícios a ele ofertados).

Devido a essa falha de planejamento, levamos cinco meses para recuperarmos o patamar de Receita normal daquela Unidade Federativa. A lição foi muito boa, porém muito dispendiosa. Mas, ao final, elevamos nossas competências em diversas frentes de trabalho. Nos tornamos bem mais preparados e criamos novos conceitos comerciais. A canibalização entre produtos e serviços tende a propiciar este tipo de aprendizagem, mas, dependendo da estrutura do negócio, pode ser a causa da extinção deste último. O fato é que não devemos ter medo deste tipo de estratégia, mas aprendermos a dominá-la… Ah, sim… E quanto aquele profissional, Analista de Receita de Faturamento: aquela foi apenas uma de diversas outras iniciativas tidas por ele ao longo de sua carreira na empresa, sendo muito bem valorizado por este tipo de conduta e pela sua competência particular em analisar números e desempenhos do negócio.